Durante o curso e as palestras do Currículo Permanente – Módulo VII – Direito Processual Civil 2013, pudemos observar a preocupação geral dos mais modernos processualistas com a jurisdição efetiva, em busca da tutela específica. De fato, a grande missão do processo atual (em todas as suas esferas: civil, administrativa, previdenciária, penal) é, por imposição constitucional, assegurar a proteção judicial, de modo que os agentes judiciários estejam plenamente envolvidos no propósito de melhor distribuir uma justiça eficiente. Em suma, há de implantar-se plenamente a máxima de Chiovenda, no senso de que “o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”.(2)
Nessa via, observamos que Fredie Didier Jr., ao dedicar sua palestra ao tema da tutela jurisdicional específica, começou justo definindo o que seria tal ditame. Para ele, "um termo muito sofisticado tecnicamente, hermético, que provoca ruído de comunicação sobre seu significado". Didier esclareceu que se trata de "um tipo de tutela jurisdicional, que propicia a quem tem razão exatamente aquilo a que o sujeito tem direito". Já a tutela não específica é aquela que propicia a quem tem razão não aquilo que foi requerido, mas um equivalente, quase sempre em dinheiro.
Ora, quem pretende uma demanda perante a Seguridade Social mal sabe o que exatamente quer, em termos jurídicos. Dessarte, observa-se que, por inúmeros percalços – desde a insuficiência da resposta administrativa até a falta de orientação específica –, o adoentado, carente, hipossuficiente social quer apenas a tutela da Previdência, a quem com árduo trabalho contribuiu; ou, em outras espécies mais graves, o mínimo sustentável, garantido pela Assistência Social.
Como bem assinala José Antonio Savaris:
“O autor de uma ação previdenciária é presumivelmente hipossuficiente. Trata-se de uma hipossuficiência econômica e informacional, assim considerada a insuficiência de conhecimento acerca de sua situação jurídica, seus direitos e seus deveres. Em face da grande complexidade dos mecanismos de proteção e da respectiva legislação, os indivíduos não se encontram em situação de tomar decisões de forma informada e responsável, tendo em conta as possíveis consequências. Por outro lado, uma vez que o autor se encontra em juízo buscando prestação de natureza alimentar, presume-se destituído de recursos para garantir sua subsistência. Essa presunção de vulnerabilidade é mais segura nas ações em que se buscam os chamados benefícios sensíveis, como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte e auxílio-reclusão. Na ação em que se pretende o benefício de prestação continuada da assistência social, a presunção de fragilidade (...).
Como consequência dessa hipossuficiência, o autor terá mais dificuldades para contratação de advogado realmente especializado, menos recursos para se lançar à busca de elementos de prova que sustentem suas alegações, desconhecimento de relevantes informações que poderiam lhe credenciar ao recebimento de determinada prestação previdenciária.
Também não é incomum a dificuldade de comunicação entre o indivíduo que pretende a prestação previdenciária e os operadores do direito. A linguagem do trabalhador rural e suas formas de expressão, por exemplo, precisam ser absorvidas com inteligência própria. (...)
Se o autor da demanda é presumivelmente hipossuficiente, por sua vez, o réu é uma entidade pública, o Estado em seu sentido amplo. (...)
Em uma demanda em que há fracos e fortes, impõe-se uma atuação jurisdicional tendente a equilibrar as desigualdades (...).”(3)
Nesse patamar, relevantes também foram as considerações do palestrante Vicente de Paula Ataide Junior, demonstrando, de forma clara, a importância do pragmatismo jurídico.
De fato, como menciona, a jurisdição apática não se coaduna mais com os ditames de nossa Constituição. É necessário que se utilizem as ferramentas da análise econômica do direito e de outros campos do conhecimento, buscando sempre forjar soluções práticas mais eficientes para proteger os direitos pretendidos.
Ora, a aderência do pragmatismo jurídico à experiência permite reconhecer que a realização dos direitos fundamentais, de todas as espécies (prestacionais, protetivos e de participação), depende de uma série de fatores que extrapolam a simples exegese normativa.
Um novo estágio metodológico que rege hoje o Direito Processual moderno deve, necessariamente, assumir essa complexidade do fenômeno do processo, em que administração, economia e sociologia compartilham o mesmo locus da experiência jurisdicional, cada qual fornecendo a sua medida de colaboração para a prática com êxito desse peculiar direito dinâmico.
Nesse prisma, e como bem prossegue aquele mesmo professor, o fenômeno processual não se reduz à lógica jurídica, nem aos conceitos e às sistematizações legais e doutrinárias. Em um direito dinâmico, operacional, que trabalha com dados empíricos de administração de rotinas, chega a ser contraproducente – para não dizer ilógico – produzir soluções abstratas, saídas de formulações exclusivamente ideais. Bem por isso um novo estágio da metodologia processual deve trabalhar com a noção de “soluções processuais”. Assim, e segundo ele, uma solução processual é uma resposta, empiricamente orientada, para um problema processual. Ela é produto de uma análise multidimensional, que comunga as demandas valorativas do processo justo com as exigências funcionais do processo operacional. Uma solução processual trabalha todas as variáveis possíveis da gênese do problema.
Esse é o objetivo do presente texto. Laborar não mais com pretensões insatisfeitas, mas com “soluções processuais”, analisando o contexto social, econômico e empírico no qual se situa o caso concreto.
Para isso, dentro do clássico conceito de uma jurisdição inerte, que somente atua quando acionada pelo princípio da demanda, é importante que os aplicadores do Direito estejam abertos a rever suas noções e tomar como base os ensinamentos supra.
Insta, pois, rever os pressupostos, testar a adequação de premissas tradicionais (sobremaneira quando se tratar de direitos metaindividuais, como os previdenciários) e analisar se não é mesmo possível ir além do já constituído.
A ideia do presente comentário parte, portanto, de tais premissas.
Toma-se como base um dos mais clássicos princípios do direito processual e procura-se analisá-lo na dimensão processual previdenciária, com vias ao pragmatismo judicial.
De fato, tradicional e já conhecida é a ideia do “princípio da demanda”. Como aprendemos: o pedido formulado pela parte determina os limites da atuação jurisdicional, importando na razão da atuação do Estado e também na fixação do objeto a ser decidido.
Sobre o pedido (princípio da demanda), é interessante notar que os tradicionalistas se embasam justamente no fato de que, por tratar o processo civil predominantemente de interesses privados, é razoável que se dê às partes a prioridade na escolha do momento em que a proteção ao interesse deve ser realizada, bem como a determinação do litígio que será examinado pelo Poder Judiciário.
De fato, segundo os clássicos, o “princípio da demanda”, aplicável de regra ao processo civil, decorre naturalmente da essência dos direitos subjetivos sujeitos à atuação jurisdicional civil: tratando-se de direito disponível, fica a atuação estatal condicionada ao pedido formulado pela parte. E, se essa condição impõe-se como dever ao juiz, logicamente a atividade jurisdicional estará também limitada àquilo que fora pedido pela parte.
Consequência natural desse raciocínio é a conclusão de que, se o Estado não pode impor ao particular a defesa de interesse seu, também não poderá exigir deste que peça proteção além daquilo que explicitamente solicitou, razão pela qual se impõe ao magistrado ater-se ao pedido formulado pelo autor.
Aliás, como cediço, isso é uma decorrência natural do princípio geral ne procedat iudex ex officio e busca, em última análise, assegurar a imparcialidade jurisdicional.
No entanto, como se pode observar e bem leciona Sérgio Cruz Arenhart,(4) as próprias e referidas premissas excluem, de antemão, a aplicabilidade do “princípio da demanda” da seara do direito processual penal, pois, como sabido, apesar de ser “processo” de idêntica formatação, lida com interesses – salvo exceções raríssimas – transindividuais. Por ali, conforme se sabe, a congruência entre as provas processuais e o conteúdo da sentença é firmada pela imputação, não sendo sequer exigível que se elabore um pedido na inicial, seja denúncia, seja queixa (art. 41, CPP).
A questão trazida neste texto é saber: será que dito princípio pode ser afeto à seara do processo previdenciário – em que, como vimos, há partes manifestamente em desequilíbrio? Será que não seria um caso, de igual forma, de inaplicabilidade pura e simples, por afronta aos seus princípios, da exata forma como acontece com o direito processual penal?
Ora, até mesmo para que se possa questionar – ainda que brevemente – o “princípio da demanda” em apreço, bem como analisar sua (in)aplicabilidade ao processo previdenciário atual, é preciso recorrer às suas noções elementares.
Assim, em síntese, embasando-se nos ensinamentos de Chiovenda, o princípio da demanda significa: a) a impossibilidade de o juiz decidir a respeito de pessoas que não sejam sujeitos do processo; b) a proibição de que o juiz confira ou denegue coisa distinta da solicitada; c) a vedação ao juiz de alterar a causa de pedir.(5)
Todavia, como também é cediço (e lecionado pelo professor supra), a regra em comento não se aplica no que diz respeito à interpretação dos fatos ou à qualificação jurídica atribuída aos fatos pelas partes. Pode o magistrado sempre atribuir outra interpretação ou qualificação livremente, não ficando vinculado àquela sugerida pela parte (narra mihi factum dabo tibi ius; iura novit curia).
Aqui, importa também ressaltar que, embora se tenha, no “princípio da demanda”, verdadeiro axioma do processo civil moderno, ele não impera absoluto, sequer aos tradicionais.
Há, de fato, hipóteses, no próprio processo civil, em que se autoriza ao magistrado iniciar o processo de ofício, alterar-lhe o objeto ou mesmo considerar causas de pedir diversas da deduzida em sua sentença. Assim, menciona a própria doutrina(6) a hipótese da convolação da concordata preventiva (negada) em falência (conforme previa o art. 16 da antiga Lei de Falências e Concordatas – Decreto-Lei nº 7.661/45 – e estabelece hoje o art. 56, § 4º, da Lei nº 11.101/05), da incoação de ofício da execução trabalhista (art. 878 da CLT), bem como casos de jurisdição voluntária, como a instauração de ofício do processo de inventário e partilha, quando os legitimados não o hajam requerido no prazo legal (art. 989 do Código de Processo Civil). Outros casos de jurisdição voluntária poderiam ser agregados a este rol, a exemplo das previsões referentes às alienações judiciais (art. 1.113 do Código de Processo Civil) e alusivas à herança jacente (art. 1.142 do Código de Processo Civil), ou ainda a possibilidade outorgada ao juiz de poder ordenar ao detentor de testamento que o exiba em juízo (art. 1.129 do Código de Processo Civil), bem como a nomeação de curador para os bens arrecadados de ausente (art. 1.160 do Código de Processo Civil). No tocante ao novo Código Civil, pode-se referir a hipótese descrita no art. 1.637, que, embora não autorize o magistrado a incoar processo, permite-lhe outorgar a proteção que entenda mais adequada ao caso, desvinculando-o, pois, do pedido eventualmente formulado pela parte.
Deve-se, ainda, sublinhar a hipótese descrita pelo art. 129 do Código de Processo Civil, que autoriza o juiz a afastar-se dos limites do pedido do autor quando convencer-se de que as partes se valem do processo para obter fim proibido por lei ou para praticar ato simulado.
Também poderia ser invocada aqui a possibilidade de o juiz conceder de ofício habeas corpus (CPP, art. 654, § 2o), tanto no plano criminal como no cível, bem como a regra do art. 797 do Código de Processo Civil, que autoriza o magistrado a conceder de ofício certas medidas cautelares. Aliás, em matéria de processo cautelar, pode-se mesmo tomar como exemplo da atuação oficiosa do magistrado (em certa medida) a desvinculação do juiz do pedido de medida solicitado pelo requerente. Com efeito, como se vê do art. 801 do Código de Processo Civil, não exige a lei brasileira que o requerente da medida cautelar formule pedido, bastando que apresente a situação carente de tutela. Sendo assim, dispensada que é a formulação de pedido, logicamente também não tem cabimento falar-se na aplicação do princípio da correlação, estando autorizado o juiz a conceder a providência que lhe pareça mais apropriada para enfrentar a situação de perigo descrita pelo requerente. Vê-se aí, pois, mais uma exceção clara ao princípio aqui examinado.
Ao que parece, porém, o exemplo mais eloquente encontrado hoje de exceção ao princípio da demanda vem exposto pela disciplina conferida à tutela específica das prestações de fazer, não fazer e entregar coisa (arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil e art. 84 do Código de Defesa do Consumidor). Essa forma de tutela pode ser adaptada às circunstâncias do caso concreto, ainda que o pedido da parte-autora tenha sido outro, sem que, com isso, haja ofensa ao princípio da demanda (art. 460 do Código de Processo Civil).
Na verdade, a previsão atinente à tutela específica – com a possibilidade de o magistrado adequar a proteção judicial às peculiaridades do caso concreto e oferecer à parte a melhor tutela possível ao seu interesse – já corresponde a significativa concessão à oficialidade da prestação jurisdicional. Sua previsão moderna dá ao juiz poderes que extrapolam, e muito, os limites do pedido da parte, colocando em dúvida a aceitação (ao menos em sua integralidade) do princípio da demanda na própria seara do direito processual civil hodierno.
Se é assim no processo civil colacionado, quando se trata de direito processual previdenciário, não há mesmo por que se ater ao formalismo tradicional.
Ora, como bem assinala Savaris:
“(...) na perspectiva do direito fundamental ao processo justo, afirma-se que as normas e os institutos do direito processual civil clássico somente deverão reger uma lide previdenciária quando as consequências de sua aplicação sejam com ela compatíveis, isto é, quando não oferecerem resultados inaceitáveis ou desproporcionais, especialmente diante da natureza do bem da vida que se encontra em discussão (autêntico direito humano e fundamental intimamente conectado ao mínimo existencial e à dignidade humana).”(7)
Dessarte, e quanto mais no Direito Previdenciário, o juiz não pode mais ser visto como um “inimigo”, mas como representante de um Estado que tem consciência de que a efetiva proteção dos direitos é fundamental para a justa organização social.
Enfim, nossa genérica proposta, diante das palestras estudadas e das premissas supra, é que se atue, enquanto juiz previdenciário, em duas vias essenciais: a) primeiro, admitindo em absoluto a fungibilidade dos benefícios; b) segundo, abolindo por completo o princípio da demanda na seara específica – ou, quando menos, viabilizando a alteração da causa de pedir aos moldes já existentes no direito processual penal (vide adiante).
Para a primeira hipótese, nossa jurisprudência já é promissora.
O tema, aliás, já está praticamente pacificado perante o Superior Tribunal de Justiça. Apenas a título de exemplo, citem-se:
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DIVERSO DO PEDIDO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. É possível a concessão de benefício previdenciário diverso do pedido na inicial nos casos em que, do conjunto probatório dos autos, restar evidente o cumprimento dos requisitos necessários, aplicando-se, assim, o princípio da fungibilidade.
2. Agravo interno ao qual se nega provimento.” (STJ, 6ª Turma, AGRESP 200400009150, Relator: CELSO LIMONGI, DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, DJe DATA: 03.11.2009)
“É firme o entendimento jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, tratando-se de lide previdenciária, pode o juiz enquadrar a hipótese fática no dispositivo legal pertinente à concessão do benefício cabível, sem que isso importe em julgamento extra petita, tendo em vista a relevância da questão social.” (STJ, AGRG no REsp 1282928/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 09.10.2012, DJe 17.10.2012)
No âmbito de nossas turmas previdenciárias, outra não tem sido a solução processual. Veja-se:
“PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA EXTRA PETITA. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA DIVERSA DA PRETENDIDA. AFASTADA. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. DESNECESSIDADE DO PREENCHIMENTO SIMULTÂNEO DOS REQUISITOS ETÁRIO E DE CARÊNCIA. CÔMPUTO DO PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE.
1. Esta Corte tem entendido, em face da natureza pro misero do direito previdenciário, calcado nos princípios da proteção social e da fungibilidade dos pedidos (em equivalência ao da fungibilidade dos recursos), não consistir em julgamento ultra ou extra petita o fato de ser concedida uma aposentadoria diversa da pedida, uma vez preenchidos pelo segurado os requisitos legais relativos à aposentadoria concedida.
2. Caso em que o magistrado analisou o pedido requerido pela parte-autora, afastando-o por não terem sido preenchidos os requisitos, para posterior análise da aposentadoria por idade urbana, razão pela qual a sentença não se configura como extra petita.
3. Para a concessão de aposentadoria por idade urbana devem ser preenchidos dois requisitos: a) idade mínima (65 anos para o homem e 60 anos para a mulher); b) carência – recolhimento mínimo de contribuições (sessenta na vigência da CLPS/84 ou, no regime da LBPS, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91).
4. Não se exige o preenchimento simultâneo dos requisitos etário e de carência para a concessão da aposentadoria, visto que a condição essencial para tanto é o suporte contributivo correspondente. Precedentes do Egrégio STJ, devendo a carência observar a data em que completada a idade mínima. 5. O tempo em que fica o segurado em gozo de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez é computado como tempo de serviço e de carência. Precedentes desta Corte.” (TRF4, APELREEX 200871000184138, Relator Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, DE 23.04.2010)
“PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. REDUÇÃO DA INCAPACIDADE LABORAL. REQUISITOS. COMPROVAÇÃO. PEDIDO DIVERSO DA INICIAL. FUNGIBILIDADE. CONSECTÁRIOS. TUTELA ESPECÍFICA. Nas ações em que se objetiva aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial. Comprovada a existência de redução da capacidade para o trabalho, uma vez preenchidos os requisitos previstos no art. 86 da Lei nº 8.213/91, é de ser reconhecido o direito ao auxílio-acidente. Preenchidos os requisitos para concessão do auxílio-acidente na data do requerimento administrativo, porquanto a redução laboral já se fazia presente na ocasião, deve ser deferido o benefício, ainda que pedido diverso tenha sido formulado na exordial. Precedentes. Para fins de atualização monetária e juros, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, a contar de 01.07.2009, data em que passou a viger a Lei nº 11.960, de 29.06.2009, publicada em 30.06.2009, que alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. No período imediatamente anterior, desde abril de 2006, o indexador aplicável é o INPC (art. 31 da Lei nº 10.741/03, c/c a Lei nº 11.430/06, precedida da MP nº 316, de 11.08.2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91, e do REsp nº 1.103.122/PR). Honorários advocatícios já fixados na sentença nos termos pretendidos pela autarquia na apelação e na trilha do posicionamento desta Corte. Recurso parcialmente prejudicado. Honorários periciais a cargo do INSS. Omissão que se supre. Concessão da tutela específica, com vistas à imediata implantação do benefício. (TRF4ª Região, QOAC 2002.71.00.050349-7, 3ª Seção, Relator para acórdão Des. Federal Celso Kipper, de 02.10.2007).” (TRF4, 6ª Turma, AC 200971990052640, AC – APELAÇÃO CÍVEL, Relator PAULO PAIM DA SILVA, D.E. 09.02.2010)
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO DIVERSO. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. NECESSIDADE DE ESTUDO SOCIOECONÔMICO. ART. 515, § 3º, CPC. INAPLICABILIDADE.
1. Os benefícios de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e assistencial são fungíveis, sendo facultado ao julgador, conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado a outro. 2. Envolvendo a lide matéria fática, é inaplicável o parágrafo 3º do art. 515 do Código de Processo Civil, devendo ser anulada a sentença a fim de que seja providenciada a realização de estudo socioeconômico.” (AC 200572130002013, RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, TRF4 – TURMA SUPLEMENTAR, D.E. 11.05.2007)
Já na seara de nossos Juizados Especiais Federais, recentemente consolidou a TNU:
“AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-ACIDENTE. FUNGIBILIDADE ENTRE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR INCAPACIDADE. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA.
1. A sentença julgou improcedente pedido de restabelecimento de auxílio-doença ou de concessão de aposentadoria por invalidez, porque o autor não está incapacitado para o exercício do labor campesino e porque a limitação funcional é pequena (10% a 30%) e decorreu de acidente de trânsito. O autor interpôs recurso inominado alegando que a redução da capacidade laborativa enseja a concessão de auxílio-acidente e que, apesar de não requerido na petição inicial, o direito a esse benefício pode ser reconhecido no presente processo em razão da fungibilidade dos benefícios por incapacidade. A Turma Recursal manteve a sentença pelos próprios fundamentos, sem enfrentar a fundamentação específica articulada no recurso.
2. O autor interpôs pedido de uniformização alegando contrariedade à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual não configura nulidade por julgamento extra petita a decisão que, verificando o devido preenchimento dos requisitos legais, concede benefício previdenciário de espécie diversa daquela requerida pelo autor.
3. O princípio da fungibilidade é aplicado aos benefícios previdenciários por incapacidade, permitindo que o juiz conceda espécie de benefício diversa daquela requerida na petição inicial, se os correspondentes requisitos legais tiverem sido preenchidos. Prevalece a flexibilização do rigor científico por uma questão de política judiciária: considerando que se trata de processo de massa, como são as causas previdenciárias, não seria razoável obrigar o segurado a ajuizar nova ação para obter a concessão de outra espécie de benefício previdenciário cujos requisitos tenham ficado demonstrados durante a instrução processual.
4. O núcleo do pedido deduzido na petição inicial é a concessão de benefício por incapacidade. O auxílio-acidente, assim como o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez, constitui espécie de benefício previdenciário por incapacidade. A aferição dos pressupostos legais para concessão de auxílio-acidente em processo no qual o autor pede auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez não afronta o princípio da congruência entre pedido e sentença, previsto nos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil. Em face da relevância social da matéria, é lícito ao juiz adequar a hipótese fática ao dispositivo legal pertinente à adequada espécie de benefício previdenciário.
5. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu várias vezes que não configura julgamento extra petita a concessão de auxílio-acidente quando o pedido formulado é o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez: Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, REsp 541.695, DJ de 01.03.2004; Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, REsp 267.652, DJ de 28.04.2003; Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, REsp 385.607, DJ de 19.12.2002; Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, REsp 226.958, DJ de 05.03.2001; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, EDcl no REsp 197.794, DJ de 21.08.2000. 6. O fato de o pedido deduzido na petição inicial não se ter referido à concessão de auxílio-acidente não dispensa a Turma Recursal de analisar o preenchimento dos requisitos inerentes a essa espécie de benefício. Precedente da TNU: Processo nº 0500614-69.2007.4.05.8101, Rel. Juiz Federal Adel Américo de Oliveira, DJU 08.06.2012. 7. Pedido parcialmente provido para: (a) uniformizar o entendimento de que não extrapola os limites objetivos da lide a concessão de auxílio-acidente quando o pedido formulado é o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez; (b) determinar que a Turma Recursal promova a adequação do acórdão recorrido, analisando se os requisitos para concessão do auxílio-acidente foram preenchidos.” (PEDILEF 05037710720084058201, JUIZ FEDERAL ROGÉRIO MOREIRA ALVES, DJ 06.09.2012)
Quanto à segunda via de inovação, por certo, o trabalho ainda necessita de maior desenvolvimento.
Curioso é que, para os resistentes, bastaria conceber, de lege ferenda, a ampliação para o processo previdenciário da regra já existente no campo do processo penal, que prevê a mutatio libelli (art. 384 do CPP). Assim, tratando-se de direito indisponível, ou sendo evidente o equívoco da parte, na fixação da causa de pedir ou no pedido, poderia o magistrado sugerir à parte a alteração de tais elementos, oferecendo nova oportunidade de defesa ao réu. Se é interesse do Estado aplicar da melhor forma possível o direito objetivo, oferecer justiça e promover a paz social, deve o juiz estar autorizado a, incoado o processo, oferecer condições às partes para que saibam exatamente o que estão discutindo e, especificamente, para que tenha ele certeza de que a existência de demanda parcial (com apenas parte do pedido possível, ou parte da causa de pedir viável) ou ainda de pretensão aparentemente inviável (pela exposição de pedido a princípio insustentável ou de causa de pedir incabível) decorre efetivamente da intenção da parte, e não de erro seu.
Há casos em que, ao que parece, está-se caminhando para isso.
Ao menos um precedente, inovador e perfeito, é possível encontrar. Assim:
“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA. NULIDADE. EXTRA PETITA. Não é extra petita a r. sentença que, constatando o preenchimento dos requisitos legais para tanto, reconhece como período trabalhado em atividade especial interstício diverso do pedido, tempo esse que havia sido indeferido na esfera administrativa e que o MM. Julgador, com base no acervo probatório dos autos e tendo em vista a relevância da questão social que envolve a matéria, reconheceu como devido ao autor. Agravo regimental desprovido.” (AGRESP 200100916250, FELIX FISCHER, STJ – QUINTA TURMA, DJ DATA: 28.10.2003, PG: 00329, DTPB)
Em breves linhas, basta agir. Compreender e ter coragem para inovar.
Mais especificamente, basta infirmar que a lide previdenciária apresenta singular configuração e, por isso, deve orientar-se pela eficácia normativa do devido processo legal, o qual, mercê de sua dignidade constitucional, prevalece sobre as disposições processuais civis que ofereçam resposta inadequada ao processo previdenciário, tanto quanto pode suprir eventual ausência ou insuficiência de disciplina legal.
Em síntese: o que realmente importa em uma lide previdenciária é outorgar ao indivíduo a proteção previdenciária a que efetivamente faz jus, sem formalismos desnecessários.
Notas
1. Comentário/Apreciação Crítica apresentado como trabalho de conclusão do Curso de Currículo Permanente – Módulo VII – Direito Processual Civil, promovido pela Escola da Magistratura (Emagis) do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 2013. Temas analisados: “O Poder Geral de Efetivação da Tutela Específica” (Prof. Fredie Didier Jr.) c/c “Pragmatismo Judiciário” (Juiz Federal Vicente de Paula Ataide Junior).
2. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1998. v. 1. p. 67.
3. SAVARIS, José Antonio. Direito Processual Previdenciário. 5. ed. Curitiba: Alteridade, 2014. p. 55-57.
4. ARENHART, Sérgio Cruz. Reflexões sobre o princípio da demanda. In: FUX, Luiz; NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Processo e constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006. p. 587 e ss.
5. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Traduzido por J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1943. v. II. p. 461-462.
6. A tanto, confira-se com o próprio ARENHART, Sérgio Cruz. Ibem, ibidem.
7. SAVARIS, José Antonio. Ob. cit., p. 48.
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